Não há nada de melhor para um cinéfilo do que estar desacreditado para assistir um filme, mas acabar surpreendido, com um sorriso bobo pensando em tudo o que acabou de ver. Pois bem, é essa a sensação que dá assim que os créditos finais de A Vida Secreta de Walter Mitty, um filme que parece simpático quando assistimos o trailer, mas que nos deixa com o pé atrás quando se descobre que é dirigido e estrelado por Ben Stiller. Entretanto, o filme traz lirismo, fantasia e um humor refinado, que não vai agradar a quem é fã do Stiller pateta, mas que vai emocionar aqueles que conseguirem compreender a mensagem positivista da obra.
Walter Mitty (Ben Stiller, competente) trabalha a 16 anos como gerente do setor de negativos da revista Life. Tímido, não tem coragem o suficiente para enfrentar gozações de colegas de trabalho e muito menos de tentar o contato com a nova funcionária da empresa, Cheryl (Kristen Wiig), por quem se sente atraído. Para compensar isso, usa sua imaginação fértil para criar situações onde é um homem corajoso que enfrenta seus medos e enfrenta perigos. Quando é anunciada o fim da revista e que a última capa seria uma fotografia de Sean O’Connell (Sean Penn) e que Mitty não encontra, ele tem que sair à procura do fotógrafo, mas, agora sim, em aventuras reais e extraordinárias.
O que mais surpreende logo nos primeiros minutos de filme é como o diretor Stiller já se propunha a fazer um filme sensorial, se valendo muito mais pelas imagens, que se alternavam em sequências longas e curtas, mas principalmente, pela edição certeira, que consegue dar ênfase aos devaneios de Mitty. E não é só isso. A fotografia de Stuart Dryburgh é esplêndida, poética, em especial nas paisagens exuberantes dos países do ártico (Groenlândia e Islândia). Stiller vem mostrando que seu trabalho atrás das câmeras vem, gradativamente, criando um estilo próprio, bem mais sólido que sua estreia na função em Caindo na Real (94) e menos convencional que seu anterior, Trovão Tropical (2006). Mesmo que no fim ainda peque pela inexperiência e não mantenha a ousadia inicial, ainda assim é uma grande evolução.
O roteiro é baseado nos contos de James Thurber, que apareceu pela primeira vez na revista The New Yorker, em 1939, e que já havia sido levado às telonas em 1947, por Ken Englund. Nesta versão, Steven Conrad deu uma aura adocicada à epopeia de Water Mitty, mas, ao contrário de seu trabalho anterior em À Procura da Felicidade (2006), opta por não carregar no tom melodramático, e, sem exageros, constrói um texto que inspira, enaltece a perseverança e homenageia, de certa forma, a todos os sonhadores que ajudam a construir um mundo melhor. Mitty é um herói improvável, que sonha em ser algo que acredita não ter condições de ser, mas que pode tudo quando passa a ter confiança em seu potencial, ou seja, é o homem comum capaz de tudo.
Se na direção Stiller dá mostras de evolução em estilo e segurança, na frente das câmeras também não deixa a desejar. Desde que apareceu em uma ponta de O Império do Sol (87) e ganhou destaque em comédias famosas como Quem vai ficar com Mary? (98), poucas vezes o ator pode mostrar que não é apenas um baixinho caricato, em O excêntricos Tennenbauns (2001) de Wes Anderson ele saiu de sua rotina e criou um homem atormentado e metódico depois da morte de sua esposa. Mas, seu melhor papel veio só agora com um Walter Mitty irritante de tão ingênuo, mas que em sua imaginação é poderoso e imbatível, variações que em momento algum seduz o ator aos exageros de papéis anteriores.
E é nessa balada lírica e quase surreal, meio Mel Brooks, meio Frank Capra e com uma pitada de Road-movie, é que o filme nos surpreende. Uma produção irretocável que prometia muito mais para quem se entusiasmou esperando pelo velho Stiller de sempre, mas que encanta mesmo quem foi desacreditado que o baixinho esquisito pudesse fazer algo de novo. Um belo filme, que nos faz sim, ficar com cara de bobo, pensando na vida, nos sonhos…
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