O histórico de interação entre literatura e cinema é de fato antigo, mas a presença das sagas literárias nas telas faz disso algo ainda maior. Contudo, a cobrança por parte dos fãs também cresce com o passar do tempo e o lançamento das produções. A fidelidade x originalidade cerca as produções, com discussões sobre o que pode e o que não deve sofrer alterações. Contudo, mesmo com tantas reclamações, basta ir até a década de 70 para encontrar grandes mudanças que deram certo. Por exemplo: Tubarão é adaptado de um livro que é um verdadeiro romance, com traições e relacionamentos antigos, mas que também é desenvolvido através do mistério e terror que cerca a ilha. No filme, toda parte de relacionamento foi praticamente ignorada, com Steven Spielberg e os roteiristas transformando a trama em um verdadeiro suspense. Agora, após tantas histórias, chegou o momento de A Menina que Roubava Livros.
Durante a Segunda Guerra Mundial, uma jovem garota chamada Liesel Meminger (Sophie Nélisse) que vai morar com os Hubbermans (Geoffrey Rush e Emily Watson), pois seus pais biológicos são comunistas e perseguidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Ajudada por seu pai adotivo, ela aprende a ler, desenvolvendo uma grande curiosidade e busca pelo conhecimento. Com isso, Liesel acaba iniciando uma jornada através da leitura e roubando livros, enquanto desenvolve uma relação de amizade com Max (Ben Schnetzer), um judeu acolhido clandestinamente pela sua atual família em um porão, e Rudy (Nico Liersch), um garoto alemão que demonstra uma grande fidelidade pela amizade da garota.
Um dos maiores encantos de A Menina que Roubava Livros gira exatamente em cima de sua narrativa. Mesmo sendo a personagem principal, Liesel não narra sua jornada. O espectador acompanha o seu cotidiano, suas decisões, seu caminho, mas o incomum é o fato de que a Morte é a responsável por belos momentos e frases da trama. É claro que para abordar o tema proposto um motivo deve ser apresentado para tal narrador, o que acontece desde os primeiros momentos. Tudo se passa na segunda guerra mundial, mas a jovem garota encontra a morte em seu caminho logo no início, com a morte de seu pequeno irmão. Com isso, vem também o primeiro livro. Para compor o seu aspecto, uma fotografia dramática é apresentada por todo o tempo, mas o verdadeiro destaque vem através de uma deliciosa trilha sonora composta por John Williams.
O foco da produção acaba se voltando rapidamente para a construção de personagens, o que é realmente interessante para trabalhar pontos que o espectador passa a ter conhecimento. Aos poucos vão surgindo personagens para interagir com Liesel, mas sem deixar com que a mesma perca a sua fome por conhecimento e que a história pare de ser dela. A jovem acaba desenvolvendo amizades incomuns pela questão da ambientação. Enquanto isso, sua luta pela leitura é desenvolvida de forma sutil, ao mesmo tempo que a história se mostra hipócrita com as queimas de livros em praças públicas, enquanto os que tem maiores condições e partidários do Nazismo continuam com suas coleções intactas. E é exatamente abordando estes certos pontos que a comoção decaí sobre a protagonista.
Mesmo cercada pela morte e sua época, chama atenção o fato de que a garota sente o impacto somente quando situações envolvendo pessoas próximas “bate a sua porta”. Entretanto, uma grande dificuldade do filme é exatamente em desenvolver as pessoas que giram em torno de sua protagonista, mas ao mesmo tempo isso pode ser realizado de forma proposital para que o espectador sinta-se tão só quanto a jovem que acompanha.
Na verdade, a grande questão é a possibilidade constante do fim de uma vida que pode impactar a jovem, que aos poucos vai superando o seu primeiro trauma e encontrando nas páginas caminhos para driblar a presença da morte. Has, Rosa, Max e Rudy são colocados ali exatamente com a finalidade de mostrar uma queda de bloqueio da jovem, mas também pelos medos que representam quando estão em perigo. No fim, o filme mantém a essência do livro em si. Não pelo nome, mas pelas atitudes de Liesel em momentos que deveriam representar o desespero e a forma com que é desenvolvido para mostrar que a jovem soube simplesmente viver.
Classificação: