MARIO PRATA ENTREVISTA UNS BRASILEIROS | LITERATURA

Capa Uns Brasileiros AG V3.ai

Nas aulas de História e de Literatura, principalmente, o aluno se coloca naquele tempo mítico ou passado e se imagina carregando espada, usando vestidos suntuosos caminhando por paisagens inexistentes no seu cotidiano. Muitos, ainda, se colocam no lugar dos personagens que conhecem para dizer: se fosse eu, tomaria outra decisão. E quando não perguntam ao professor ou aos colegas, perguntam-se para si mesmos: por que diabos ele fez isso? São perguntas que ficam no ar o caem no ‘se’ imaginário… ou nas páginas de Mário Prata.

Personalidade influente no mundo das artes e da política, Prata é o melhor exemplar do ditado chinês: ‘um homem inteligente conhece tudo; um astuto, to mundo’. E de nada adiantaria ter o network trabalhado na História e na Literatura sem a inteligência para marcar os encontros e organizar as perguntas. Prata não se deixa levar pelos entrevistados e mantém pulso firme em determinadas situações, por vezes constrangendo o interlocutor a ponto de fazê-lo levantar-se e quase partir. Quase, mas todos os entrevistados reconhecem, a sua maneira, a importância daquele que conduz a prosa.

Obra fundamental para a compreensão do Brasil, Mario Prata entrevista uns brasileiros, da editora Redord, deveria estar, desde já nas bibliografias escolares, sem esperar pelo início do próximo ano, pois conta a história quem a viveu. Podemos acompanhar os principais acontecimentos do primeiro Brasil, de quando mal fora promovido de ilha para capitanias, com relatos que se iniciam com o próprio descobrimos, Pedro Álvares Cabral, que entre um Pera-Manca e outro debate sua escalação para a empreitada a nudez das índias.

Dos fatos contados por Cabral nasce a expectativa para outras entrevistas e muitas se referem, indiretamente, e assim seguimos com Içá-Mirim (ou Barão de Gonneville, se preferirem), Padre Anchieta (que sabe de cor os poemas que o mar apagou) e o Bispo Sardinha (piadista de marca maior, além de Arariboia (deveria estar nos Vingadores), Calabar (aquele da peça), Chico Rei, Aleijadinho, Xica da Silva (que virou novela, mas não parece a mesma)…

Bom mesmo, quase uma revista de fofocas, é perceber os rancores da família real. Dos beck da Louca Dona Maria Primeira, umas das mais sensatas a conversar com Prata, até a Marquesa de Santos, nem Dom João VI nem Dom Pedro I passam incólumes pela pena do entrevistador, ou pelos comentários de seus pares. Jogo de alfinetadas, alguns já chegam armados para a conversa, como Dom Pedro, cuja introdução já limita as perguntas quanto a alguns temas, como se jornalista e assessor fossem a mesma coisa.

Como passamos por Dons, vamos falar do Casmurro. Uma das mais (a mais?) famosas perguntas da literatura brasileira envolve os olhos de ressaca que Capitu voltava a Escobar pelas costas de Bentinho. Prata é sagaz e busca no próprio texto machadiano as pistas para uma suspeita que vai além dessa pergunta superficial, chamarisco para desviar a atenção da questão principal: por quem realmente eram os sentimentos de Bentinho? Vaselina (sem trocadilhos), o entrevistado evita respostas diretas e o jornalista, incansável, persiste e para isso se apoia em fatos, nos registros deixados para a posteridade.

Desse modo segue a pena afiada de Prata, viajando a Milão para discutir ópera Carlos Gomes em frente ao Teatro alla Scala ou caminahndo diante do Pacaembu enquanto fala de futebol com Charles Miller. Nesse ir e vir de revelações, as entrevistas incluem Tiradentes (barbeado), Maria Quitéria (a soldado), a sensualidade de Dona Beja, os resquícios napoleônicos em Madame Lynch, o tiro no pé do mulherengo Castro Alves e a inconfundível verborragia de Rui Barbosa.

O ritmo das conversas foi preservado pelo autor e a introdução a cada nova personalidade situa o leitor, que se torna incapaz de abandonar a obra ao final de uma entrevista, ansioso pelas revelações do próximo brasileiro. Ao final, um índice das figuras mencionadas durante as entrevistas nos leva novamente ao pensamento do colégio: o que essas outras pessoas diriam se sabatinas? Agora sabemos que Mario Prata consegue as respostas.