AQUARIUS É MAIS QUE UM PROTESTO | KINOS

Na terça-feira, dia 17 de maio, a equipe do filme Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, cruzou o tapete vermelho do Palais des Festivals, em Cannes, com cartazes que mostravam ao mundo do cinema internacional o golpe de estado que tem lugar no Brasil. Neste sábado, dia 21, na sala Gaumont Opéra, que fica na rua onde o cinema nasceu, várias pessoas levantaram, tal qual na Croisette, cartazes com os mesmos protestos no final do filme.

095 - Aquarius cartazMuita gente grita contra esses protestos, alegando, principalmente, que isso suja a imagem do Brasil no exterior. Primeiro: protestar é legítimo. Segundo: se a imagem do país que sofreu um golpe de estado fosse boa ninguém teria do que reclamar. Terceiro: independente de sua opinião, o objetivo deste texto é mostrar vários motivos pelos quais você deve ir ao cinema assistir Aquarius, com ou sem sua placa de Fora Temer. Só não baixe pra assistir em casa e depois venha gritar contra a corrupção.

Aquarius é um filme de chegada. Me conquistou numa das primeiras cenas, com um fusquinha branco parado na areia de Boa Viagem, em Recife. Depois com uma incômoda aparição de Elis Regina, na verdade Clara, a protagonista, quando jovem, ou a atriz Barbara Colen de cabelo curto. E então entra o som do Queen, e as histórias da cômoda, testemunha de tudo o que aconteceu naquele apartamento ao longo da História.

Aquarius é uma boa história. A mulher, avó, mora sozinha no apartamento de um prédio antigo em Recife. Todos os outros imóveis foram comprados por uma construtora, que faz propostas para que a mulher saia dali. Em meio às pressões dos interessados e da sociedade, existe mesmo uma torcida para que ela entenda e se mova, mas esse é o caminho mais fácil. O lado humano, ao qual o espectador se apega cada vez mais, faz com que ela resista.

Aquarius é Sônia Braga. O elenco está afinado, mas é ela quem dita o tom. A personagem ora é dura como a vida e um câncer vencido lhe ensinaram a ser, por vezes suave como uma boa melodia, quase blasé. A maturidade da atriz se encontra com a da personagem e ela parece conduzir as tensões no sorriso e as alegrias num passo e dança. Sem pudores para dizer olhando nos olhos o que precisa ser dito, ou com apenas um gesto resolvendo tudo.

Aquarius é melodia. Do rock para enfrentar o tunti no andar de cima à leveza do ar de Toquinho e Vinícius, a partitura de Mendonça Filho ensina ao jovem a força de Betânia, a presença de Roberto Carlos numa noite insone, a música de aniversário composta por Villa-Lobos e letrada por Manuel Bandeira. São tantas e tão apropriadas que, em caso de dúvida, o diretor colocou todas no cenário (com pôster de Barry Lyndon perto da porta).

Aquarius é jornalismo. Em parte, o bom jornalismo feito pela protagonista, tornada famosa por suas matérias sobre música. Em parte, o jornalismo comercial, mais focado em vender jornal do que em publicar verdades. Em parte, o jornalismo surdo, o da resposta pronta, em que o repórter faz a pergunta, escuta uma ótima narrativa e insiste na mesma pergunta, respondida sem objetividade, mas respondida.

Aquarius é aristotélico. Usa da indução, raciocínio lógico que parte do particular para mostrar o todo. É com a vida de uma mulher em um apartamento em uma cidade do Brasil que o filme se preocupa. É do mercado imobiliário brasileiro, é do respeito à memória, é de humanidade que o filme se trata. Também é aristotélico na estrutura, com três partes, e peca somente na segunda, que poderia ser um pouco mais curta, mas antes desse pensamento ficar completo vem a terceira.

Aquarius é família. Da tia que aniversaria no início aos debates entre gerações, passando pelos familiares que vão além do sangue, o filme dá uma aula de civilidade. Há desrespeitos com pedidos de perdão, há falas exacerbadas e silêncios precisos, há afeto mesmo na ausência, na cena mais sensível do longa.

Aquarius é coxinha. Se nada do que apontei acima te convence a ver o filme, talvez queira assistir porque tem parceria com a Globo Filmes (dizem que nada ganha as salas sem ela, não é?). Ou você pode se identificar com o discurso dos construtores que querem o prédio. O que não pode é deixar de assistir porque houve protesto em Cannes. Se sua visão de cinema e de política se limita a isso, talvez devesse parar de bater panelas e tentar ouvir com mais sensibilidade o som ao redor.